Nas proximas quintas feiras durante a adoração eucaristica, estaremos meditando as catequeses mistagogicas de Cirilo de Jerusalém. Por isso, quem quiser aprofundar a vida deste padre da Igreja, pode ler o relato aqui em baixo.
No ano 348 tornou-se Cirilo bispo da cidade de Jerusalém, onde
provavelmente nasceu por volta do ano 315. Fora em 345 ordenado sacerdote por
Máximo II, a quem sucederia após sua morte ou deposição levada a efeito pelos
eusebianos. Muito depressa Acácio, metropolita da Província e um dos chefes dos
eusebianos, investe contra Cirilo, defensor da fé de Nicéia. Seguem-se
acusações mútuas acerca da fé de cada um. Cirilo é exilado por três vezes em
uma situação parecida à de São João Crisóstomo com Teófilo de Alexandria.
Em 358/9 o concílio de Seleucia o restabelece em sua sé episcopal. No ano
seguinte será desterrado por ordem do Imperador Constâncio, movido por Acácio e
seguidores. Ele permanece no desterro até 362, quando é favorecido pela anistia
geral proclamada por Juliano. Porém, em 367, apesar da morte de Acácio, ele
volta ao exílio até que, em 378, Graciano decreta a suspensão do desterro para
todos os bispos. Em 381 encontramo-lo entre os padres conciliares do primeiro
Concílio de Constantinopla. A liturgia ocidental e oriental comemora no dia 18
de março a sua morte, que deve ter-se dado no ano de 387.
É necessário distinguir em Cirilo o teólogo e a testemunha da fé e da
Tradição cristã, de modo geral, e da Igreja de Jerusalém, em particular. Como
teólogo ele não apresenta a profundidade doutrinal dos Padres da segunda metade
do século IV, defensores da ortodoxia, como Santo Atanásio e Santo Hilário ou
teólogos como São Basílio e os demais Padres Capadócios que marcarão o
pensamento teológico, influenciando as gerações futuras. Mas é uma valiosa
testemunha da Tradição antiga e eco da fé católica professada em Nicéia e, mais
tarde, no primeiro Concílio de Constantinopla.
Uma rápida visão da época em que viveu Cirilo ajudar-nos-á a melhor
apreender o motivo que subjaz a muitos ditos seus ao longo de suas obras. No
século II a Igreja se vê diante de correntes religiosas que se esforçam para
exercer uma espécie de sedução sobre os homens de seu tempo: a gnose e as
religiões de Mistério. O gnosticismo continuará presente nos séculos
posteriores sob formas diversas, sendo combatido por Justino, Santo Ireneu,
Tertuliano e o autor dos Philosophumena. Localizar-se-á, sobretudo, no Egito e
na Síria. A gnose fala de uma centelha divina no homem, o qual, provindo do
reino divino, caiu neste mundo. Aqui o homem se encontra submisso ao destino,
ao nascimento, à morte e tem necessidade de ser despertado por seu arquétipo
celeste ao qual ele finalmente se reunirá. Esta libertação se dá pelo
conhecimento (gnose), que consiste essencialmente em conhecer-se, melhor, se
reduz à necessidade de reconhecer o elemento divino que constitui o verdadeiro
«eu». Liberta-se assim de todos os «poderes» que o retêm no «profano» e no
erro. Ao mesmo tempo que tais correntes angariavam adeptos, no interior da
Igreja se assistia ao surgimento de doutrinas anti-trinitárias. Incapazes de
admitir a diversidade de Pessoas na unidade de uma e mesma Natureza divina,
negavam alguns a divindade do Cristo reduzindo-o a um simples homem dotado de
extraordinários poderes e virtudes (dinamistas), ou explicavam sua
personalidade como mera modalidade da de Deus Pai (modalistas, patripassianos).
Em relação ao Filho, temos Noeto e Práxeas; em relação ao Espírito Santo, temos
Sabélio. Daí à doutrina sustentada por Ário, sacerdote da Igreja de Alexandria,
seria um passo. Logo após a vitória sobre Licínio, Constantino, único
imperador, escreve a Alexandre, bispo de Alexandria, para que ele se ponha de
acordo com Ário. Alexandre se escandalizara com as posições cristológicas de
seu sacerdote Ário, que, de mil maneiras, mesmo através de cânticos populares,
ensinava que o Cristo não é verdadeiramente Deus. Em uma carta a Eusébio de
Nicomedia, Ario expõe sua posição: «Ele (o Cristo) começou a existir por um ato
de vontade. Antes de ser gerado Ele não era». Tal discussão culminará com o
primeiro Concílio Ecumênico de Nicéia, em 325, onde se proclamará, contra o
arianismo, a divindade do Filho e sua consubstancialidade (homoousía) com o
Pai. A luta ariana (318-381) coincide com a vida de São Cirilo e caracteriza
este período. Concílios e sínodos, fórmulas e mais fórmulas de fé, mútuas
condenações constituem a tecedura desta luta. Para aumentar a confusão dos
fiéis, surgiram, dentro das correntes heterodoxas, outras com matizes diversos,
uma mais extremada, a dos anomeus, outra mais mitigada; a dos semi-arianos ou
homoioúsios. A muitos faltavam serenidade e magnanimidade, deixando-se envolver
em intrigas e mesmo fraudes e violências.
Em meio a tal situação se destacam a ousadia e a sobriedade, a profundidade
e a mente esclarecida de um Basílio Magno, Gregório Nazianzeno, Gregório de
Nissa, Cirilo de Alexandria e outros. São Cirilo em suas catequeses alerta os
fiéis não só contra as afirmações anticristãs provindas do meio gentílico ou
judaico, mas também contra as asserções heréticas. Enumera os vícios dos deuses
adorados pelos pagãos, assim como de seus adoradores. Busca no A.T. anúncios e
prefigurações do N.T., em oposição aos judeus, e mostra a unidade de ambos os
Testamentos, o que era rejeitado pelos gnósticos. Levanta-se contra os hereges,
cujas obras ele diz ter lido: «Estas coisas, fala Cirilo, estão nos livros dos
maniqueus, eu as li, porque não cria nos que me falavam delas; e as examinei
cuidadosamente para segurança vossa e ruína dos outros». Muito se escreveu sobre o fato de Cirilo
jamais empregar o termo homooúsios: consubstancial. Todavia, a simples leitura
de suas catequeses nos mostra um Cirilo preocupado em ser o mais simples
possível, evitando sempre que possível o emprego de termos teológicos. Ele tem
diante de si pessoas pouco versadas em doutrina cristã, às quais deseja
transmitir de modo acessível e com proveito suas instruções. Daí o fato de ele
expor a doutrina em uma terminologia fundamentalmente bíblica. Ademais, o termo
homooúsios foi compreendido por alguns em um sentido sabeliano, que Cirilo
tantas vezes combate.
I.3 Particularidades da Igreja de Jerusalém
Através das próprias catequeses de São Cirilo podemos ter uma idéia da
Igreja de Jerusalém. O costume da catequese era cuidadosamente observado em
Jerusalém. Se em outras Igrejas a exposição do Credo se resumia a duas, três ou
mais apresentações, em Jerusalém se lhe dedicava todo o tempo da Quaresma.
Compreende-se o motivo pelo qual o conjunto das catequeses nos oferece todo um
sistema doutrinário. Na Catequese Preliminar ele nos faz ver a importância
conferida a esta ação catequética: «Aprende o que ouves e guarda-o para sempre.
Não creias serem estas homilias habituais. Também elas são boas e dignas de fé».
Cirilo pronuncia as catequeses na Igreja da Ressurreição e na Capela do Santo
Sepulcro. Para que alguém fosse admitido ao catecumenato exigia-se, segundo
menciona Eusébio, a imposição das mãos e a oração. O primeiro Concílio de
Constantinopla (381) nos fala dos exorcismos e da insuflação, feitos em três
dias consecutivos. No primeiro dia, diz o Concílio, fazemo-los cristãos; no
segundo catecúmenos; no terceiro os exorcizamos, soprando por três vezes o
rosto e os ouvidos e assim os catequizamos4. São Cirilo se refere expressamente
aos exorcismos5, os quais são recebidos com a face coberta com um véu: «O teu
rosto foi coberto com um véu, a fim de que todo o teu pensamento não estivesse
disperso, e o olhar, divagando, não fizesse vagar também o coração». Após o
primeiro grau de Catecumenato passa-se ao dos Competentes com todo um período
de preparação e que antecedia em algumas semanas à Páscoa. O bispo lhes dirigia
uma exortação, seguida da inscrição nos registros da Igreja. Esta se fazia, em
Jerusalém, no princípio da Quaresma e num mesmo dia. Recebiam então o nome de
fiéis. «Vê que, sendo chamado fiel, tua intenção não seja de um infiel». Findo
o que se seguia à preparação imediata para o batismo que compreendia duas
partes principais:
a) Preparação ascética: que Cirilo descreve na Catequese Preliminar, na
primeira e na segunda Catequese. Três obras a caracterizam: o jejum, a
penitência e a confissão dos pecados.
Jejum: o jejum se estendia, na comunidade jerosolimitana, pelo espaço de 40
dias, inclusive os sábados e domingos, e abarcava também a abstinência de vinho
e carnes. Além deste jejum quaresmal existia o jejum pascal, muito mais
rigoroso. Penitência: acentua-se não só a penitência externa, mas também a
interna como meio imprescindível para uma digna recepção do batismo. Diz
Cirilo: «Prepara teu coração para receberes as doutrinas, para participares dos
sagrados mistérios». É o convite à renúncia a todo mau hábito e à purificação
dos pecados. «Deixa desde já toda obra má; que tua língua não fale palavras
inconvenientes; que teu olhar já não peque mais e que teu espírito não se ocupe
com coisas vãs.” Este espírito de penitência é fruto da graça de Deus implorada
na oração. Por isso Cirilo insiste que seus ouvintes sejam assíduos à oração:
“Reza com insistência a fim de que Deus te faça digno dos celestes e imortais
mistérios. Não cesses nem de dia nem de noite”. Quarenta dias, no entanto, é pouco
tempo de preparação para os que viveram entregues às vaidades. Daí a
necessidade de receber com toda devoção os exorcismos, assistir às catequeses
com pureza de intenção.
Confissão: São Cirilo desenvolve de modo todo especial o inciso sobre a
confissão dos pecados. No início da primeira Catequese ele exclama: «Vós que
estais cobertos com o manto das transgressões e estais ligados com as cadeias
dos vossos pecados, escutai a voz profética que diz: Lavai-vos, purificai-vos».
Em outra Catequese ele repete: «Quão excelente é confessar-se». A segunda
Catequese é praticamente uma grande exortação à confissão apresentada não como
mero relato de pecados, mas expressando uma situação existencial e conseqüente
vontade de mudar de vida. Os termos que ocorrem para designar a confissão são
significativos: (confissão) e (penitência).
b) Preparação catequética: Nota-se aqui a diferença da Igreja de Jerusalém
das demais Igrejas. Como já dissemos acima, em Jerusalém se emprega toda a
Quaresma para explicar o Credo, enquanto nas demais igrejas a exposição do
Credo se restringe a duas ou mais apresentações. Cirilo profere vinte e três
catequeses, o que por si só exprime a importância que é dada à catequese na
preparação batismal. As dezoito primeiras se dirigem aos que se preparam para o
batismo e comentam basicamente o Credo artigo por artigo. As últimas cinco são
pronunciadas para os recém-batizados, durante a semana da Páscoa, na capela do
Santo Sepulcro. As cinco tratam da doutrina, dos ritos e cerimônias dos
sacramentos do Batismo, da Confirmação e da Eucaristia
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